ZÉ DO FOGUETE (1984)

Flávio Guerra

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Hilton Sette conviveu durante muito tempo em Caruaru, e quis, neste "Zé do Foguete", evocar os anos quando ali assistiu ou ali periodicamente ia com os pais em tempos de férias ou vilegiaturas.

Seu livro nasce e se desenvolve em Caruaru. Depois ora se encrespa, ora se expande e toma vulto no Recife, para, afinal, ter o seu epílogo novamente na saudosa "Princesa do Agreste". O estilo é fluente, comunicativo, não cansa, exerce curiosidade, tudo traçado com muita pureza vernacular, sem os exageros dos períodos longos e das orações entrelaçadas.

O final, que pode à primeira vista, parecer bucólico, algo banal, monótono, lembrando os velhos livros de autores europeus como Peres Escrich, ou Joseph Cronin, tem, ao contrário, uma densidade notável, estudando um processo de decadência social e humana, misto, paradoxalmente, de um conteúdo poético a de uma realidade ou penetração subjetiva. Um “close-up” ao pé de um morro, próximo a uma saudosa igreja, onde o nosso "Zé do Foguete" mistura a dor da saudade com evocações do sexo, na tristeza das suas amarguras, num ambiente como que ardentemente preparado para o ápice da sua vida tão agitada, tão humana, tão sofrida.

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Meu Caro Hilton Sette
Gilberto Freyre

Você, Hilton Sette, geógrafo e bom geógrafo, tomou gosto pela ficção, na qual estreou com uma estória acontecida no muito seu Recife: evocação deliciosa de um arrabalde recifense de dias, nem de todo recentes nem muito velhos. E agora me envia – para um desnecessário prefácio - originais de outra evocação do mesmo gênero novelesco: a de uma Caruaru que não chega a ser de todo distante do atual, embora o tempo da nova estória, contada em suave voz de conversa, já nos leve a acontecimentos já tocados pela história: já históricos para todos os efeitos. Pois o herói, tendo deixado Caruaru, menino, e menino pobre, volta do Sul, homem feito e triunfante. E com esses olhos de adulto sofisticado e que revê a doce terra da infância, também ela diferente da que o menino deixou em busca de aventura no Rio.

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Seu novo livro, Hilton Sette, não deixa de ser uma biografia em termos de ficção realista. Biografia não de homem público notável mas de um por você, meio imaginado, meio reconstituído do natural, herói pernambucanamente humilde de Caruaru que, perdendo pai e mãe, e desdenhado por gringo rico cuja filha vinha cortejando liricamente, parte para o Sul. E no Sul lhe acontece o que tem acontecido com outros nordestinos de origem humilde e no Nordeste talvez, infelizes em amores de adolescência: triunfa enriquece, até! Mas sem esquecer Caruaru, aonde a saudade o traz e o faz rever a terra da infância: a dos dias em que sua cidade o conhecia como Zé-do-Foguete.

Algum desapontamento, da parte, do Recife e sua Caruaru, com certos progressos, não por serem progressos, porém, por não terem acrescentado encantos à terra querida: agora – no tempo da volta do triunfador – chamada pomposamente "Capital do Agreste" e mais famosa do que outrora por suas feiras, a que vinham turistas, até estrangeiros e por sua cerâmica e por suas rendas.

E Taciana, a namorada? Uma Taciana durante anos confundida pelo já quase triunfador, numa só grande saudade, com Caruaru. Agora, porém, ele já velho, não seria inútil reencontrá-la? Os cabelos louros de Taciana deviam estar brancos. Ou talvez estivesse ela em luxuoso túmulo mandado construir pelo pai no nosso cemitério: o de Dom Bosco. O que sucedia com muitos dos moradores da Caruaru do seu tempo de menino pobre.

Você, geógrafo Hilton Sette, a essa altura, dá, ao seu personagem principal, olhos de ver nas paisagens de que se afastara e pulmão para respirar nos ares de que perdera o gosto, suas constantes, seus encantos de sempre. Paisagens e ares nos quais tanta gente de fora vinha convalescer de doenças graves. Manhãs luminosas. Dias ensolarados. Noites frescas. As mesmas missas na Matriz, é certo. Mas as pessoas, quase todas, outras. Desconhecidas. Filhos e netos da gente do seu tempo de menino. O caruaruense rico, triunfante, bem sucedido, com saudade não só de Taciana como dele próprio, quando menino pobre.

Não é estória incomum, a que você, geógrafo recifense ligado, desde menino, a Caruaru, conta não só como romancista, porém como romântico. Mas é uma biografia – romance de provinciano, vencedor na metrópole – que o biógrafo conta servindo-se um pouco desta sua experiência real suas sucessivas férias em Caruaru levado pelos pais. É um livro, o seu – boa narrativa, boas observações de cotidianos expressivos, linguagem atraente – em que, o autor como que paga uma dívida de recifense a Caruaru: aos seus ares, às suas paisagens, às suas manhãs de sol. A tudo que, na vida desse filho de um Mário Sette, sempre romanticamente amoroso de Caruaru, foi saudável experiência de uma saudade e de uma gente acolhedora de um futuro, não só geógrafo, como romancista. Geógrafo e romancista romântico.

Fonte: Nota de Flávio Guerra et Prefácio de Gilberto Freyre in SETTE, Hilton. Zé do Foguete. Coleção Recife 32. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1984.